Encontro com… Ana Saldanha
BibliotecaH, 19.05.09
Foi numa linguagem muito coloquial, sem constrangimentos, e num registo apelativo, vivo e espontâneo que a escritora respondeu às muitas perguntas colocadas pelos alunos. Ficámos a saber que, para escrever “ Uma questão de cor”, a escritora se inspirou na biografia de Nelson Mandela, conhecido activista do movimento anti-apartheid. Na opinião da escritora, o racismo é ainda um tema muito presente na sociedade portuguesa, ainda que apresente formas muito subtis.
Um dos seus autores favoritos é John Maxwell Coetzee, escritor sul-africano, Prémio Nobel da Literatura em 2003, admirado pelo seu estilo fenomenal.
«Mais ou menos meio metro/É quanto mede por fim./Por pouco tempo, é certo…/Diz-me lá então a mim/Qual é a coisa, qual é ela?». Este texto, em forma de adivinha, foi o desafio lançado aos alunos. O Ruben, o Nelson e a Cátia foram os alunos que descobriram a solução para esta adivinha.
A escritora levantou um pouco o véu sobre a história do seu próximo livro “Para maiores de 16” que brevemente estará à venda, onde retomará uma das suas personagens: a Dulce.
O valor literário das obras de Ana Saldanha reside, não apenas nos valores estéticos e sociais, mas também na possibilidade que dá aos leitores mais pequenos, e não só, de sugerir e criar várias leituras e vários olhares sobre o mundo, fundamentais para alargar horizontes e questionar a realidade. Sem procurar ser tendenciosamente moralista, a propósito de “Um espelho só meu”, a escritora referiu que todos nós devemos ser o espelho dos outros. Em primeiro lugar, devemos comportar-nos para agradar a nós próprios e, só depois, fazer cedências para agradar aos outros.
Respondendo à questão do que representavam para si os prémios que recebeu, Ana Saldanha disse que o 1.º Prémio, Menção honrosa do Prémio Adolfo Simões Müller com a obra “Três semanas com a avó“, abriu-lhe o caminho para o mundo da escrita, o 2.º, Prémio Cidade de Almada 1994 com o romance “Círculo imperfeito”, confirmou que era possível ter uma carreira literária. Mas, um prémio bom para si, é pensar que há pessoas que estão a ler o seu livro.
Mas, o momento alto da sessão aconteceu, quando a escritora leu um excerto de “Escrito na parede “, onde se faz a apologia do respeito pelas diferenças, através de uma discussão na aula de Português, com a famosa “pronúncia tripeira”, imprimindo grande vivacidade à leitura, num registo coloquial, apelativo, repleto de expressões comuns e de um vocabulário familiar.
A obra “O Romance de Rita R” escreveu-a por ocasião da sua vinda a Portugal, quando vivia em Inglaterra. E, usou com os alunos o mesmo jogo de intenções com que seduz o leitor na referida obra, que começa a sua leitura condicionado pela nota prévia da autora que afirma ter encontrado o registo de Rita num computador que comprou. «Tenho a esperança de um dia vir a conhecer pessoalmente a Rita R. e pôr-lhe nas mãos o romance que ela desesperou de escrever.» No final, acabou por convencer os alunos que era uma história de ficção, contada pela sua protagonista, e que o rapaz desdentado que aparece numa das fotografias do livro é o seu sobrinho Zé Manel e o cão a ver televisão é a sua cadela Lili.
Na obra “Nem pato nem cisne”, da colecção Era uma vez…outra vez, emboraretomando o conto “O Patinho feio“, encontramos muito das suas próprias vivências uma vez que, como disse, se baseou em pessoas que conhece para criar as suas personagens. Eugénio é um menino que apresenta características comuns com o Patinho Feio, branquinho, ruivo que se distingue das duas irmãs. O facto de ser trapalhão faz com que seja, muitas vezes, repreendido pelos seus familiares, no entanto, é um menino muito sensível e tímido. A viagem que faz à Irlanda é decisiva para a sua mudança a nível físico e para o seu crescimento psicológico, pois perante uma situação de perigo, ele mostra a sua coragem e determinação.
Em jeito de resposta a mais algumas perguntas, a escritora referiu que começou a escrever porque lia muito. A leitura constituía para si uma agradável experiência, por isso, o seu desejo era o de, um dia, poder provocar nos outros, a mesma sensação que os escritores lhe provocavam a ela.
Sobre a obra bilingue “O Sam e o Som“, a escritora disse tratar-se de uma história verdadeira e chamou a atenção para as ilustrações, da autoria de Gémeo Luís que recorre à técnica de recorte em papel Kraft.
Na plateia, a assistir à sessão da parte da tarde, um convidado muito especial: o professor, mas também escritor, António Mota que acompanhou a sua turma do 4.º ano. Foi, naturalmente, um privilégio juntar, num só espaço, num só momento, dois escritores de elevado mérito literário.
No final de cada uma das sessões, a escritora Ana Saldanha autografou livros e trocou ideias com os alunos. Por sua vez, a escola ofereceu à escritora uma bengala trabalhada, de Gestaçô, um objecto de reconhecido valor artesanal em que é usada a técnica da dobragem, cuja origem remonta a finais do séc. XIX.
(Artigo elaborado pela prof. Ana Maria)